Devaneios... Nada mais...

sexta-feira, junho 04, 2004

Carta...

Lembraste da primeira noite?
Sob o crepúsculo do que se adivinharia ser apenas mais uma noite de queima, a nossa vida mudou. Combinámos ir todos à queima, e nesse dia ir ver o imperdível concerto de Clã. De repente a Manela começa a cantar:

"O meu lado esquerdo
é mais forte do que o outro
é o lado da intuição
É o lado onde mora o coração
O meu lado esquerdo
Oriente do meu instinto
É o lado que me guia no escuro
É o lado com que eu choro e com que eu sinto
Meu é o meu foi o meu lado esquerdo
Que me levou até ti
Quando eu já pensava
Que não existias para mim no mundo
O meu lado esquerdo não sabe o que é a razão
É ele que me faz sonhar
É ele que tantas vezes diz não
Meu é o meu foi o meu lado esquerdo
Que me levou até ti
Quando eu já pensava
Que não existias para mim no mundo".

Nesse momento em que a música começa a embalar a embalar a multidão, temos o impulso de olhar para o lado. A toda a nossa volta só se via casais de namorados agarrados, contagiados pela força da música mostrando ao mundo que o amor existe. Num impulso demos uns poucos de passos atrás para não estragar a magia do momento. E foi aí que nos perdemos... Perdemos do resto das pessoas com quem vínhamos e perdemo-nos no amor... Os nossos lábios tocaram-se e o tempo parou, à nossa volta estavam milhares de pessoas mas não existia ninguém. Estávamos apenas nós os dois naquela dimensão e tudo era perfeito. Nesse dia a lua estava cheia e bem perto da Terra. Deitamo-nos lado a lado na relva e ficamos a olhar o Céu. A olhar o Céu não... As nossas almas tocaram-se... Estávamos na realidade no Mar da Tranquilidade observando na Terra aquelas duas formas de vida, rejubilando por saberem que o Amor existe, percebendo que por vezes Ele está mesmo ali ao nosso lado e ao alcance de um mero beijo.

Um ano passou e o que temos? Os primeiros meses foram extasiantes. Telefonemas a toda a hora, mensagens todos os minutos. Todos os dias um tempinho reservado para fazer o balanço e matar as imensas saudade... E depois? Tudo se foi perdendo... Já não podias sair todos os dias, as nossas conversas deixaram de ser íntimas e companheiras, passando a ser um mero acto de cortesia, temendo por um minuto de um silêncio comprometedor e assim nos fomos afastando. Estamos agora na altura em que somos namorados apenas de nome, acomodados ao facto de ser mais confortável essa situação do que romper e cair no pacote do "sozinho e descomprometido".

Hoje foi a vez dos Toranja actuarem... Desta vez não estava contigo a ver o concerto... À medida que cantavam,

"Não falei contigo
com medo que os montes e vales que me achas
caíssem a teus pés...
Acredito e entendo
que a estabilidade lógica
de quem não quer explodir
faça bem ao escudo que és...

Saudade é o ar
que vou sugando e aceitando
como fruto de Verão
nos jardins do teu beijo...
Mas sinto que sabes que sentes também
que num dia maior serás trapézio sem rede
a pairar sobre o mundo
e tudo o que vejo...

É que hoje acordei e lembrei-me
que sou mago feiticeiro
Que a minha bola de cristal é feita de papel
Nela te pinto nua
numa chama minha e tua.

Desconfio que ainda não reparaste
que o teu destino foi inventado
por gira-discos estragados
aos quais te vais moldando...
E todo o teu planeamento estratégico
de sincronização do coração
são leis como paredes e tetos
cujos vidros vais pisando...

Anseio o dia em que acordares
por cima de todos os teus números
raízes quadradas de somas subtraídas
sempre com a mesma solução...
Podias deixar de fazer da vida
um ciclo vicioso
harmonioso do teu gesto mimado
e à palma da tua mão...

É que hoje acordei e lembrei-me
que sou mago feiticeiro
e a minha bola de cristal é feita de papel
Nela te pinto nua
Numa chama minha e tua.

Desculpa se te fiz fogo e noite
sem pedir autorização por escrito
ao sindicato dos Deuses...
mas não fui eu que te escolhi.
Desculpa se te usei
como refúgio dos meus sentidos
pedaço de silêncios perdidos
que voltei a encontrar em ti...

É que hoje acordei e lembrei-me
Que sou mago feiticeiro...

...nela te pinto nua
Numa chama minha e tua.

Ainda magoas alguém
O tiro passou-me ao lado
Ainda magoas alguém
Se não te deste a ninguém
magoaste alguém
A mim... passou-me ao lado.",

percebi.... grande parte dessa música era sobre ti... Há um ano atrás fui iludido pela sofreguidão da paixão e fiz de ti algo que não eras... Preciso de alguém que quando toque uma valsa dance comigo, mesmo que seja a pior bailarina do mundo. Preciso de alguém que não tenha medo de usar palavras como amor ou apaixonado ou apaixonada. Preciso de alguém que goste do que eu goste. Preciso de companheirismo. Preciso de cumplicidade. Preciso de alguém que me ame incondicionalmente…

Resta-me agora tirar da rádio e de todos os aparelhos esterofónicos a nossa música, de enterrar as nossas fotos num lugar escuro no fundo de uma gaveta escondida num móvel qualquer, de mudar o teu número de telefone na minha lista, de mudar hábitos que tanto prezava, como ligar-te as 3h da manhã só para ouvir a tua voz, e apesar de já estares a dormir, nunca te chateavas e docemente desejavas boa noite. O que não sabiamos é que da mesma maneira que é tão fácil apaixanomarmo-nos por alguém ou por uma ideia, também é tão fácil desapaixanomarmo-nos...

E assim chega ao fim esta etapa da nossa vida... Algumas boas recordações certamente ficarão para sempre. As más, o tempo encarregar-se-á de as apagar. Ficamos, porém com a certeza que não fomos feitos um para o outro e com a consciência tranquila de não ter perdido uma oportunidade que mais tarde poderia dar lugar a arrependimento e a um grande "E SE AO MENOS TIVESSEMOS EXPERIMENTADO..."

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