Devaneios... Nada mais...

terça-feira, junho 14, 2005

Encontro

Não há muito tempo tempo tive de sair mais tarde do emprego. Naquele dia as contas bateram mal e como tal tive de ficar bem para lá da hora de trabalho para corrigir e identificar o problema. Mal consegui dar por concluído o trabalho apressei-me em sair e dirigir-me a toda a velocidade para o metro. Percorria Santa Catarina a toda a velocidade. Àquela hora já poucas pessoas percorriam esta movimentada rua. Ao fundo uma criança brincava com uma bola. Entretanto o telemovel tocou.

" - Sim, sim. Estou atrasado. Isto complicou-se mas já estou a caminho..." - repliquei institivamente à mecânica pergunta do outro lado da linha.

O miúdo estava agora mesmo à minha frente e ao aproximar-se surpreende-me

" - Senhor, senhor, quer jogar comigo? Só um bocadinho..."

Fiquei um pouco atónito com a atitude mas lá lhe respondi:

" - Oh rapaz... Estou muito atrasado... Não posso jogar agora..."

Sem papas na língua, prontamente diz:

"- Está bem. Então depois..."

Esbocei um sorriso e lá continuei a minha apressada caminhada.

Uma semana passou... Todos os dias a mesma rotina... Todos os dias o mesmo stress... Na semana anterior, neste dia tudo complicou-se... Tive de ficar a trabalhar até tarde, a minha esposa parecia uma máquina de pinball... O abrir de porta desse dia pareceu o final abanão e o aviso de tilt iluminou-se e foi ver a bola a descer lentamente para o buraco sem que nada pudesse fazer... Desabafou, protestou, esperneou, tudo e mais alguma coisa... Enfim tudo o que uma pessoa precisa depois de um dia que corre mal. Desde então o ambiente está de cortar à faca. Parecemos dois estranhos dentro de casa... casa não... esta semana não posso considerar casa... dormitório é a palavra adequada!
Hoje o dia correu bem. Vou fazer uma surpresa. Já encomendei umas flores, vou sair mais cedo e ainda passo pela Arcádia.

À semelhança da semana passada saí a correr, desta vez por motivos diferentes. Mal saí institivamente dirigi-me à florista para ir buscar as rosas. Era um daqueles dias em que parecia sozinho na rua. Estava completamente ausente da azáfama que imperava à minha volta. Os meus pensamentos estavam mais longe... Subitamente uma voz desperta-me:

"- Senhor, senhor... Vamos jogar?"

Era o mesmo miudo da semana anterior... Será que ainda se lembra?
"- Você prometeu..." -diz-me, fitando-me com os seus grandes e luminosos olhos castanhos.

"- Prometo que amanhã jogo. Sabes... hoje é um dia especial... Tenho de ir ter com a minha namorada..." - disse para despachar, o miúdo... Não quis dizer esposa, nem mulher... São palavras mais distantes... Namorada sempre tem amor no meio e deve ser mais fácil para o puto perceber...

O puto sorriu, deu um chuto na bola e foi afastando-se.

Ao chegar a casa tive um dos maiores baldes de água fria da minha curta vida. A reacção foi totalmente inesperada... Diz-me a Ana mal me vê a entar:

"- Flores e chocolates... Que se passa? Alguém faz anos ou fizeste asneiras?"

Senti-me como uma daquelas personagens dos desenhos animados que derretem quando algo corre mal. Bolas!!! Desanimadamente só consegui dizer:

"-Não... São para ti. Amo-te acima de tudo!"

"-Ah... Obrigado..." - responde-me inexpressivamente...

Não queria acreditar... Teria acabado ali a paixão? Desconhecia por completo a pessoa que estava à minha frente... O jantar decorreu no silêncio absoluto e no final nada restava senão o sono como escapatória aquele nada.

O dia seguinte passou devagarinho... O tempo parecia trair-me...
Quando finalmente chegou ao fim o horário de expediente, saí apressadamente... Porquê não sei... Afinal não sabia para onde e para quê ia regressar...

Ao sair lá avistei o miúdo ao longe. Será que se lembrava? Estava para o sentido oposto para onde tinha de ir no meu regresso ao dormitório... No entanto resolvi ir ao seu encontro... Ao ver-me aproximar correu para mim e com um grande sorriso, lá me pergunta:

"-Senhor, senhor, veio jogar comigo?"

"-Sim. Claro que vim. Então não te tinha prometido?", respondi-lhe

"-Chamo-me António e o senhor?"

"-José. Vamos lá jogar?"

"Sim, sim..."

Não sei quanto tempo passou, mas quando olhei à minha volta já ninguém andava na rua e já jogava descalço. Creio que os sapatos me incomadavam um pouco... Já não me lembrava de sentir assim criança... Era uma sensação boa. Institivamente olhei para o relógio. Marca 20h30.

As crianças são incriveis... Apercebeu-se desse meu gesto que me passou totalmente ao lado e diz-me:

"-Temos de ir embora, não é? A sua namorada vai zangar-se?"

Sorri-lhe e disse:

"- Não te preocupes. O amor vence tudo... Vamos lá embora"

"- Senhor, senhor... Espere... Acredita em anjos? Eles estão em todo o lado, à nossa volta. Às vezes nós não sabemos é reconhecê-los..."

Nisto pega na bola e corre rua fora até que desaparece ao dobrar da esquina...

segunda-feira, junho 13, 2005

Hoje

Os cães ladram mas a caravana não pára...