Devaneios... Nada mais...

quinta-feira, junho 14, 2007

O acordeão

Os ventos favoreciam Mário. A sua vida, apesar de não ser regada de extravagâncias e luxos ganhara nos últimos tempos um brilho especial. Mário era sujeito bastante peculiar. A sua vida era ganha nas obras de contrucção de civil. Fazia um pouco de tudo, desde carpinteiro, passando por trolha a electricista. Trabalhava onde houvesse emprego e saltava de obra ao sabor do nascimento de novos prédios. Caso usasse fato e gravata chamar-se-ia um freelancer ou um outro qualquer nome pomposo, assim o mais habitual era ser chamado, com algum desprezo, de trolha. Vivia numa casa atarracada mesmo em plena freguesia da Graça. Não era grande mas tinha tudo o que necessitava. O seu pequeno quarto ladeado pelo wc com poliban e uma sala/cozinha. Não precisava de mais nada. Assim havia sido desde o seu penoso divórcio à mais de 4 anos. Foram tempos conturbados para si. Revoltou-se para o mundo. Os divórcios quando só uma parte do casal envolvida é que os pretende são sempre mais penosos. Foi nessa altura que teve de abandonar Mirandela. A cidade era demasiado pequena para ele. Em todos os cantos, uma recordação saltava dos doces tempos em que esteve com Manuela... e pior que isso, com frequência se cruzava com ela e o turbilhão emocional volta a inundar o seu peito de uma dor terrível. Manuela, no meio do processo conseguiu ainda ficar com a custódia dos gémeos. Nas cidades pequenas as notícias correm depressa. Rapidamente toda a população da vizinhança soube do acontecido. Rumores espalharam-se sobre a nobreza de Mário, sobre o seu amor, sobre infidelidade. Na realidade era Manuela que andava amantizada com outro homem de cidade vizinha. O amor tem destas coisas... Não quis ferir a reputação de sua queria esposa, perdão, ex-esposa, e deixou com que esses rumores ganhassem veracidade, até que para aquele pequeno, apenas isso existisse. Era insuportável! A sua resposta foi abandonar aquele local tão aconchegante e ao mesmo tempo tão apoquentador. Mudou-se para Lisboa. E desde então viveu a cidade com o desamor que havia sido a razão que o tinha trazido. Os seus hábitos incluiam ver a bola no café da esquina, e jogar à sueca na tasca do careca, sempre acompanhado da sua aldeia nova. Eram os únicos luxos que tinham. Todo o dinheiro que juntava era depositado numa conta a que os gémeos teriam acesso quando tivessem a maior idade. No entanto fazem hoje duas semanas conheceu Gabriela, uma romena imigrante na também sua cidade de acolhimento. A necessidade de alguém mais intimo fez com que se encontrassem todos os dias. Era curioso, Manuel havia imigrado precisamente para o país de Gabriela na sua juventude. Por lá passara uns dez maravilhosos anos em que aliara árduo trabalho a um doce boémia. Esses anos fizeram-no crescer imenso. Agora no seu 44 aniversário, passavam 10 anos da sua estadia por esse país, um cheiro da sua juventude apareceu e revitalizara-o. Estava a adorar aquela nova energia que o fazia cheirar a cidade de modo diferente, percorrer cada caminho com a cabeça bem erguida, descobrindo em cada esquina um motivo para sorrir. Hoje iria dar-se a um luxo. Iria com Gabriela jantar a um desses novos restaurantes esquisitos com comida de um país qualquer esquisito, chinês, ou nepalês, ou qualquer coisa acabada em –ês. Não importava. Estava sedento sedento de novas experiências. No restaurante, mesmo à margem do Bairro Alto, esperava Gabriela... 10 minutos, 30 minutos, 1 hora... Nada... Desesperava... Sentia a sua energia a escapar-se por todos os poros. Pagou as suas cervejas e as entradas e saiu do restaurante. Só isso ja havia sido um luxo, no entanto, caminhava agora cabisbaixo em direcção ao Austin Metro branco, pintalgado aqui e ali com algumas manchas que o tempo e a oxidação do metal não perdoam. Parou numa cabine telefónica e tentou ligar-lhe. Esteve 30 minutos remarcando o número sem que do outro lado houvesse sinal de vida. Passou a noite e ainda com olheiras de quem passou uma noite muito mal dormida regressou ao trabalho. Ao lá chegar foi chamado pelo Mestre de Obras. Tinha uma mensagem para si. O mestre disse-lhe que tinha passado por lá uma senhora de longos cabelos loiros e uns olhos azuis onde qualquer homem facilmente se afogaria e lhe havia deixado uma mensagem. E nisto entregou-lhe um papel dobrado em quatro.

Manuel,
Sinto muito. Gostei dos tempos que passamos mas tive de ir visitar uns amigos a Espanha. Espero que compreendas. Preciso de ter contacto com algumas raízes da minha terra.
Até Sempre,
Gabriela.

Manuel ficou branco como a cal. Assustou mesmo o Mestre de Obras. Este de imediato, com medo que houvesse algum acidente de trabalho (e quando o trabalho é ilegal é bastante problemático para o empregador) de imediato dispensou-o pelo dia. Rapidamente enfiou-se no seu automóvel, fiel companheiro de longa data, e partiu em direcção a casa. O tempo estava escuro e umas pingas escorriam pelos vidros do carro. Resolveu não ligar as escovas... “Caro companheiro... Fazes tu o que eu não consigo. Chora! Deixa as lágrimas escorrer, já que eu sou demasiado cobarde para isso!” A viagem foi longa. Ou assim pareceu. Quando chegou ligou o duche bem quente. Queria tentar lavar o sujo que sentia, a mágoa que queimava! Nada resultava! Os mesmos sentimentos que enterrou, voltavam a assombra-lo! Mais uma vez perdera toda a fé na raça humana! Numa atitude drástica fez um pacto consigo mesmo! Iria fazer um teste à humanidade! Caso houvesse apenas uma pessoa que superasse esse desafio, tentaria de novo viver. Aparou o seu farto bigode, com o cabelo mais comprido escondeu parte da careca, vestiu o seu único fato, já bastante roçado e usado e desenterrou do fundo do armário o seu velho acordeão. O teste seria muito simples! Iria entrar no metro no Rato em direcção a Odivelas, e depois na regresso, ambas em plena hora de ponta. Ao longo das carruagens iria tocando diversas músicas que aprendera nos seus tempos boémios pelos lados da Moldávia e houvesse só um sorriso, olhos nos olhos, o teste seria ultrapassado. No dia seguinte pôs mãos à obra e rapidamente teve o seu resultado. As pessoas nem olhavam para ele. Pareciam ignorar a sua presença. Uma ou outra ainda pegou numa moeda e procurou um local onde coloca-la, certamente com pena ou apenas para retirar um qualquer peso na consciência. Sorrisos? Nem um! Contacto olhos nos olhos? Menos ainda. Nessas viagens havia sido ninguém e assim continuaria. O reverso do teste... Sentia-se ainda pior! A decisão... chegou... não fazia mais nada no planeta. Não iria continuar por continuar. Chegara o momento de acabar com a sua miserável vida. Dirigiu-se para a ponte 25 de Abril. No seu carro estava toda a sua gaveta de medicamentos. Ingiriu todos os que pode. A maior parte nem sabia para o que eram nem para o que serviam. Haviam sido acumulados ao longo dos anos fruto de uma outra doença. E depois disso saltou... Ninguém mais o viu... ninguém mais soube a sua história. Era apenas mais um que seria esquecido.

3 comentários:

Anónimo disse...

demorou. mas como dizem, o que é bom pode tardar a chegar, mas chega e vale bem a espera.

:))

lt

Anónimo disse...

Mas... não era Mário?... E o resto, serão pequenos erros?
Os melhores críticos serão sempre os que mais lêem...

Q disse...

txiiii!!! q erro!!! é o q dá n rever os textos!!! é verdade! andam pra lá nomes trocados!!! quem é a menina?